ÉTICA DO MARKETING E SUA PROJEÇÃO SOCIAL

Nota escrita por Enrique Shaw e publicada na Revista del Instituto Argentino de Dirección de Empresa (IADE). N°132. Ano XIV. Em fevereiro de 1962.

Tradução: Lucas Lastória

Revisão: Rodrigo de Jesus Santana

Está muito na moda criticar o desperdício que significa a publicidade e a “apresentação” de um produto de forma dispendiosa. Chama a atenção como nos Estados Unidos, um buquê de flores de presente é envolto em celofane e este dentro de uma caixa de papelão; a caixa de papelão – de boa qualidade, sólida e com desenhos impressos – envolta em papel muito bonito, este papel amarrado com um cordão colorido, e o conjunto envolto em papel de seda que, por sua vez, leva outra amarração.

Neste mesmo país, estima-se que se gaste algo mais de 10 bilhões de dólares por ano em publicidade. Para compreendermos bem a magnitude desse valor, que repito, não critico, lembremos que todo o programa de “Aliança para o Progresso” de ajuda à América Latina, a ser desenvolvido ao longo de 10 anos, é de 20 bilhões de dólares, ou seja, em um único país gasta-se em publicidade, em um ano, mais do que se calcula ser necessário para ativar o desenvolvimento econômico e social de toda a América Latina durante 5 anos.

Pensemos também que todo o gasto da Igreja Católica nos países denominados de missão, que abrangem a África, a Ásia e grandes áreas dos outros continentes, é da ordem de 70 milhões de dólares; ou seja, 140 vezes menos do que se estima ser necessário para convencer menos de 200 milhões de pessoas sobre as qualidades de determinados cigarros, desodorantes e tantos outros artigos de nossa civilização contemporânea.

Não vou me deter no aspecto puramente negativo, no que deveria ser motivo de crônica policial, seção de fraudes, como no caso de loteamentos de “magníficos terrenos” que o vendedor sabe muito bem que ficam inundados com frequência. Também não me referirei, apenas de passagem, ao uso deliberado de meias-verdades (ou deveria dizer “meias-mentiras”) para enganar o público, como a publicidade de loteamentos que afirmam estar “a 7 quadras da estação”, quando o que está a essa distância é a parte do terreno do trem mais próxima de um dos limites do loteamento, ou seja, para chegar ao cais será necessário caminhar 11, 12 ou mais quadras.

Algo menos óbvio, e cada vez mais frequente, é o uso indevido da nobre motivação sexual para provocar – sim, provocar no duplo sentido da palavra – interesse em assuntos completamente alheios à mesma. Esta tarde mesmo, vindo para cá, vi um painel publicitário de baterias e outros materiais elétricos para automóveis no qual a agência ou o anunciante achou conveniente incluir o desenho de uma moça seminua.

Também é sabido que nos Estados Unidos o conjunto de todos os produtores de medicamentos gasta em amostras grátis, catálogos, anúncios diretos e indiretos, 7.500 dólares por ano para cada médico, e para apreciar essa cifra devemos pensar que a média dos médicos não ganha mais do que 10 a 12 mil dólares por ano, o que significa uma soma 4 vezes maior do que o investimento em pesquisa de novos produtos… Para terminar com este rápido inventário de técnicas de “marketing” que chamam a atenção de quem entra em contato com elas pela primeira vez, mencionarei que as estatísticas de vários países mostram que do preço pago pelo consumidor por um alimento tão essencial como o leite, apenas cerca de 45% fica para o produtor, nunca mais do que 46% ou 47%. Ou seja, a distribuição consome aproximadamente 55%.

Repito, todos esses fatos que menciono não são criticáveis em si mesmos, mas para nos situarmos melhor e para chamar a atenção para a importância de refletir e agir positivamente nessa atividade tão ampla e apaixonante.

A palavra ética geralmente nos traz a imagem de alguma velha solteirona resmungona: “Quando eu era jovem as pessoas se comportavam de forma diferente.” Mas é algo muito mais importante. Toda atividade humana, inclusive a econômica, é consciente e livre – pode ser dominada, controlada ou impulsionada e, portanto, orientada pelo homem como uma possibilidade de progresso, de desenvolvimento autenticamente humano.

Em cada ato do homem está implícita, consciente ou inconscientemente, uma atitude em relação a essa atividade, um conjunto de normas que superam cada homem em particular, que estão orientadas para um fim posterior; até mesmo os gangsters têm um código, sua ética, por mais distorcida que seja.

Eu poderia dizer, por exemplo: “Sou um homem livre, tenho o direito de fazer o que quero, tenho o direito de pegar este copo de água e jogá-lo em algum de vocês; tenho o direito, tenho a força e até pode acontecer que, ao pegá-lo desprevenido, eu o acerte. Se eu fizesse isso, sem dúvida vocês pensariam que eu estou meio louco, mas o fato é que eu poderia fazê-lo antes que me impeçam.”

Mas tenho o direito? O fato de que posso fazê-lo me dá o direito de fazê-lo? Não, porque há um conjunto de normas gerais de convivência, de vida em sociedade, que me obrigam a não jogar um copo assim sem motivo. Teria que haver um motivo muito sério, como legítima defesa, para poder fazê-lo.

Esse conjunto de normas é o bem comum. Com isso quero dizer que nossos atos devem sempre – não estou dizendo que cada um deles explicitamente, pois isso seria impossível, mas sim de uma maneira geral – levar em conta a influência que podem e vão exercer, mesmo que não pensemos nisso e mesmo que não o pretendamos, sobre o bem comum, sobre o bem de toda a sociedade humana.

Vou mencionar dois casos que conheço pessoalmente. Um deles é o de um engenheiro que é subgerente de uma empresa importante. Sempre que há uma mudança de gerente, algum membro do conselho o chama, diz palavras muito bonitas, o parabeniza por seu trabalho, aumenta seu salário; mas ele não é nomeado gerente. Recentemente, ele conseguiu descobrir o motivo. É porque nessa empresa, os que em última instância a dirigem, acreditam que um engenheiro nunca pode ser um bom gerente, pois sustentam que para isso é preciso ser um bom comerciante, que todo comerciante “infelizmente” tem que ser um pouco mentiroso e que a um engenheiro, por sua maior tendência à objetividade, a agir de forma racional, é mais difícil mentir e que, mesmo supondo que ele o faça, não poderá disfarçar que está desconfortável, como ficando corado, e por isso um engenheiro não pode ser gerente: aumentam seu salário, mudam o carpete do escritório por um de maior categoria, mas o deixam como subgerente…

Não preciso destacar a subversão da hierarquia de valores demonstrada por este exemplo.

Outro caso, que ao mesmo tempo é muito frequente e de difícil solução concreta, mas que considero de interesse para este tema, é o de uma pessoa que trabalha em uma agência de publicidade: uma pessoa capaz que costuma escrever o texto dos anúncios e que, embora não seja uma das principais da empresa, é de confiança e tem certa importância. Ele foi incumbido de preparar a propaganda para um produto específico, destacando o quão maravilhoso é e insistindo que apenas tantos minutos são necessários para atingir seu objetivo. Ao estabelecer contato com o cliente para conhecer melhor o produto e ver quais outras qualidades poderiam ser elogiadas, como o consideravam “quase da família”, foi informado de que aquele artigo não atendia às condições que lhe haviam pedido para destacar. Ele foi, então, falar com um dos sócios da empresa e informou sobre o que estava acontecendo, dizendo que, pelo menos, ele não queria ser cúmplice de uma afirmação que ele sabia que não era verdadeira. O que aconteceu? A resposta foi que, se ele não gostava de fazer isso, que procurasse outro emprego, porque era muito conveniente para a agência ficar bem com o anunciante e que, mesmo que não fosse verdade, era “necessário” dizer o que tivesse maior efeito publicitário.

Em outras palavras, a essa pessoa, a esse homem, estava sendo restringida a liberdade de trabalhar em nome da livre iniciativa, porque essa expressão inclui, de fato, as modernas técnicas de comercialização que a acompanham e que incluem, como consequência necessária, a existência de agências de publicidade e todo o ambiente que as cerca. Ou seja, em nome de um princípio tão saudável como a livre iniciativa, desde que bem entendida, a liberdade das pessoas é limitada, pois uma pessoa perde sua liberdade se não pode dizer o que pensa. E, pior ainda, se corre o risco de perder o emprego por dizer a verdade.

Se refletirmos sobre tudo o que foi dito anteriormente, fica bem claro que nem tudo o que acontece ao nosso redor é tão ético quanto pode parecer superficialmente. E não direi mais sobre “ética” a não ser para lembrar que existe uma projeção social de nossos atos, mesmo os aparentemente mais insignificantes, e que esses atos devem estar ordenados – ou pelo menos não ser contrários – ao bem comum da sociedade em que a empresa vive, da qual se alimenta e à qual deve servir.

Marketing, seu significado, ciência e arte

O marketing sempre existiu: o primeiro de inúmeros espanhóis que trocou um pedaço de vidro por um coco, banana ou peça de prata já estava realizando uma operação desse tipo.

Mas, em geral, a palavra “marketing” é usada como algo muito moderno e vinculado aos Estados Unidos da América. Vou tomar muitos exemplos desse grande país, pela simples razão de que é lá onde mais se desenvolveu, onde existem mais estatísticas e porque foram autores dessa nacionalidade que escreveram mais sobre o assunto, com maior sinceridade e espírito patriótico de autocrítica. Além disso, isso me permite, ao analisar casos reais, não mencionar outros semelhantes ou piores que ocorrem em nosso país, mas que, ao serem mencionados, mesmo sem indicar nomes, seriam facilmente identificados e certamente não pretendo atirar a primeira pedra ou qualquer outra, porque ocorre que, embora critiquemos o que é feito de errado lá, não deixamos de copiar muitas vezes…

Um líder empresarial norte-americano, uma pessoa excelente, importante, culta e pessoalmente muito generosa – ele tem 3 ou 4 filhos e adotou mais 4 – cuja fortuna foi conquistada graças a uma grande habilidade comercial, me disse não faz muito tempo, meio sério, meio brincando: “Nós, os norte-americanos, exportamos três coisas: o jazz, a ‘hora do coquetel’ e o marketing, o marketing como ciência e arte.”

Evidentemente, eu acredito que qualquer pessoa que chegue pela primeira vez aos Estados Unidos, mesmo antes de entrar em seu hotel, fica impressionada com a visão, mesmo que rápida, dessas modernas expressões do marketing americano, que são as lojas de carros usados e os supermercados onde uma família pode comprar de tudo, enquanto as crianças, se necessário, cortam o cabelo.

Não é de surpreender que a palavra “marketing”, assim como a expressão “follow-up”[1], tenham uma tradução literal do inglês para o espanhol, mas que tenham um significado próprio que vai além do sentido da tradução em si. Elas definem um estilo, uma mentalidade, uma forma de exercer, respectivamente, as atividades comerciais e de produção que não têm tradução.

Merece também ser mencionado que os russos não apenas desconhecem, mas desprezam o marketing, pelo menos oficialmente. Para os soviéticos, um sobretudo é algo para se proteger do frio, mas ninguém supõe que um dos 3 ou 4 que o Estado se digna a disponibilizar para o cliente potencial possa deixá-lo insatisfeito por causa da imperfeição de sua forma ou cor; ou seja, por aquilo que “dá status” social a seu proprietário. Além disso, eles guardam silêncio ou, se não podem fazê-lo, utilizam as estatísticas que, orgulhosamente, os comerciantes ocidentais publicam sobre a variedade de itens disponíveis para satisfazer os caprichos da clientela como prova cabal da superioridade do estilo de vida “igualitário” que teoricamente existe nos países por eles dominados.

Mas voltemos aos supermercados, que agora – felizmente, porque apesar de seus defeitos, a experiência ensina que deixam um saldo social líquido positivo – estão começando a estar na moda entre nós. Está comprovado que as pessoas que entram em um deles saem tendo adquirido artigos no valor de 35% a mais do que pensavam gastar. Ou seja, se entrou para comprar carne, ervilhas ou açúcar, acaba comprando também um brinquedo ou guloseimas para as crianças…

Também é um problema de marketing o que ocorre em nosso país com as batatas. Quando há muita produção, o preço cai e o produtor não ganha o suficiente, às vezes nem para cobrir os custos da colheita, e quando, por acidentes climáticos, a quantidade produzida é pequena, o preço sobe, mas o produtor não recebe o suficiente para repor tudo o que gastou. Isso quer dizer que é inútil falar em resolver os problemas da produção se ao mesmo tempo não resolvermos os problemas da comercialização.

E algo parecido ocorreu nos anos de 1930 a 1934, quando as laranjas eram jogadas no rio e o café era queimado, fazendo com que a opinião pública mundial perdesse a confiança na eficácia – e na moralidade – das técnicas de marketing então vigentes.

Outro fato muito conhecido é que nas grandes lojas os elevadores ou escadas rolantes estão o mais distante possível da entrada. Por quê? Para que a mulher que vai à loja comprar roupas íntimas para os filhos seja submetida durante o percurso a toda sorte de tentações de ofertas de artigos supérfluos. Acredito que 70% das compras de certos artigos são “impulsivas”, ou seja, não premeditadas, mas feitas ao se deixar levar pela atração de um artigo bem apresentado.

Lembro de ter visto em bondes de Chicago dois anúncios fora do comum para nós. Um deles mostrava uma pessoa bem protegida da chuva por um guarda-chuva aberto, e o texto indicava a conveniência de utilizar caixões da marca tal para que na morada eterna não entrasse umidade. Mas o outro era muito pior, pois não brincava apenas com o desejo de segurança que todo ser humano tem, mas também despertava desconfiança dos parentes, pois insistia em assegurar desde já, por meio de prestações convenientes, o caixão de sua preferência, para que os parentes não economizassem nesse importante objeto…

Aqui vemos claramente a distinção entre a publicidade que informa o público, de forma atraente, das vantagens genuínas dos bens disponíveis, ou mesmo estimula um desejo razoável de adquiri-los, e aquela que se baseia na sutil excitação das tendências mais baixas da natureza humana, como o orgulho, a inveja e a desconfiança, ou na redução do sexual em uma ajuda abusiva às atividades comerciais.

Penso em um anúncio que vi na revista New Yorker, lida pela classe mais abastada dos habitantes daquela cidade. Tratava-se de calças de um certo tipo de alta qualidade e muito caras, e mostrava várias crianças, com rostos inocentes, brincando na escola. O texto dizia: “Senhor, você não pode se dar ao luxo de enviar seus filhos para a escola com roupas que não sejam da melhor qualidade”. O que queria dizer era: “Senhor, se você quer que as pessoas saibam que você é uma pessoa capaz e importante, mostre que ganha muito dinheiro, porque se não fizer isso, seu status social será diminuído. Portanto, vista seu filho de forma mais cara do que o necessário ou comum”.

Nesse caso, vemos como as modernas técnicas de marketing têm consequências que vão além do aumento das vendas, pois talvez inconscientemente “criam” uma hierarquia de valores que tem um profundo impacto social.

E, sem ir tão longe, em vários jornais de Buenos Aires, apareceu há pouco um anúncio em que uma criança contemplava com inveja a da casa vizinha, porque lá levam uma segunda televisão, o que permitiria que enquanto os pais assistissem ao que quisessem, a criança ao lado pudesse escolher seu programa. Então, aquele que tem apenas uma televisão diz: “Papai, eu quero ser como meu vizinho, não quero ser menos do que ele, eu também quero ter uma segunda televisão em casa, só para mim”. E então surgem as consequências desse tipo de publicidade; se o pai não comprar outra televisão, ele aparece como não tão carinhoso quanto o pai do vizinho ou como um fracassado porque não ganha tanto dinheiro quanto o outro.

Outro exemplo de como a publicidade mal orientada causa aborrecimento é o que me acontece quando viajo para os EUA. Tenho uma barba bastante dura e não gosto de me barbear mais do que o estritamente necessário. Mas lá, quando sou convidado para jantar, tenho que me barbear duas vezes ao dia, porque gritam para mim de todos os espaços de publicidade que a “5 o’clock shade”[2] é uma falta de consideração ao dono da casa…

Mensagens de vendas

As “mensagens de venda” continuam a ser uma parte significativa das estratégias de marketing de qualquer empresa. Estima-se que uma família típica nos Estados Unidos é exposta a 1518 mensagens de venda diariamente. No entanto, aparentemente, essas mensagens não são suficientes. Um exemplo disso é o caso de um operário argentino que você ajudou a conseguir trabalho nos EUA e, durante uma visita próxima a ele, ele relatou a experiência de ser constantemente tentado a comprar produtos que não tinha a intenção de adquirir.

Além disso, há outro caso real, relatado por um amigo meu que ocupa uma posição de destaque em uma das três grandes empresas automobilísticas dos EUA. Nessa empresa, há um grupo de pessoas cuja função é garantir que os proprietários intelectuais dos carros fiquem insatisfeitos com seus veículos em um curto período, devido ao lançamento de um novo modelo com algumas novidades. Isso é conhecido como obsolescência planejada.

Terminando essa série de exemplos – poderia mencionar muitos outros, mas creio que os expostos são suficientes para ilustrar diversos tipos de atividades que aceitamos como algo normal, corriqueiro, quase “inevitável”, mas que não deveriam ser assim – há outros dois casos em que a mentira se manifesta descaradamente e, pior ainda, é defendida como conveniente para a sociedade.

No mês passado, durante um dos comitês do Senado norte-americano, foi apresentada uma moção para tornar obrigatório indicar a taxa de juros real ao comprar um produto, pois a cifra mencionada na publicidade (por volta de 8% ao ano lá e 1-1 1/2% ao mês aqui) costuma ser sobre o total da compra, o que representa aproximadamente o dobro sobre o saldo devedor. Entretanto, um “grupo de pressão” fez força para obstruir essa moção, argumentando que se a verdade fosse revelada, o público consumidor consideraria os juros muito altos e deixaria de comprar, causando desemprego nas fábricas produtoras desses artigos.

Outro caso é relacionado a um conhecido concurso de TV, em que o prêmio final para aquele que sabe mais sobre um determinado assunto chega a valores enormes, cerca de 100 mil dólares. Foi provado que houve fraude, pois, o ganhador já sabia antecipadamente qual pergunta lhe seria feita. Imaginem a reação do público enganado, mas o notável é que houve quem defendesse essa fraude, consciente e deliberada, argumentando que mais da metade dos 100 mil dólares teriam ido para o Estado em forma de impostos, que o patrocinador não saiu prejudicado porque o programa foi um grande sucesso e que o público não só se divertiu, mas também foi mais instruído do que se tivesse dedicado este mesmo tempo a assistir a programas de menor valor cultural…

Tudo isso acarreta várias consequências. Uma delas é que a palavra “marketing”, e o homem, o comerciante, que se preocupa em aplicar essas técnicas para fazer circular os bens da terra, estão perdendo o prestígio que objetivamente merecem ter. Há poucos dias, um jovem que está prestes a concluir o quinto ano do ensino médio, que junto com outros colegas me pediu conselhos sobre qual carreira seguir, me perguntou inesperadamente: “O senhor acredita que é possível ser cristão e comerciante?”. Sua pergunta demonstra que não são apenas os comunistas que atacam os comerciantes, mas também um jovem de 17 anos, bem-intencionado, associa inconscientemente o marketing moderno à condição de ser pelo menos um pouco mentiroso…

Outra consequência, e não quero mencionar todas, pois seria muito longo, mas algumas das menos óbvias, é que em nossa atual civilização ocidental, os especialistas em marketing e suas técnicas acessórias recebem salários desproporcionais e, com frequência, muito maiores do que aqueles que produzem os artigos que eles comercializam ou projetam, não para melhorar suas características técnicas, mas sim sua facilidade de colocação no mercado. O resultado é que as mentes mais talentosas, a menos que tenham um extraordinário senso de vocação, tendem a se envolver mais nesse tipo de atividade do que naquelas que procuram, embora invisivelmente, o progresso de um país. Assim, ganha mais aquele que se torna responsável pela pesquisa de motivação[3] de uma grande agência publicitária do que o pesquisador de sociologia em uma universidade ou aquele que estuda a quantidade, tipo, material, localização e temperamento das molas que contribuem para tornar os assentos dos carros mais confortáveis do que aquele que pacientemente fracassa repetidamente tentando encontrar um novo combustível. Isso é “natural” que ocorra, é uma consequência do “sistema”, porque, se o marketing faz com que as pessoas troquem seus carros por outros com assentos mais confortáveis, um engenheiro capaz de melhorá-los tem um “valor de mercado” que faz as empresas disputá-lo através da oferta de salários mais altos. E o resultado é óbvio: enquanto o mundo ocidental estava preocupado em produzir carros mais confortáveis, os russos lançaram seu Sputnik ao espaço, pois eles, por outro lado, estimularam monetária e psicologicamente mais as pessoas envolvidas na produção de foguetes do que aquelas que se dedicavam ao conforto ou à publicidade.

Reação oportuna

Felizmente, já começou uma reação. Nos EUA, as lojas de desconto[4], que vendem a preços mais baixos do que o preço de tabela, que até recentemente eram “mal vistas”, adquiriram prestígio. Poucas pessoas vão a uma loja localizada na 5ª Avenida de Nova Iorque para comprar uma televisão ou geladeira. Elas vão, observam o que desejam e depois caminham 6 ou 7 quarteirões até uma loja mais modesta, sem ar-condicionado, com funcionárias menos bonitas e compram o mesmo artigo, com garantia idêntica e a um preço menor. O Departamento de Comércio recentemente publicou 7 sugestões para quem compra um artigo “com garantia”, instando-o a ler e refletir sobre o que a garantia realmente significa, contra quais riscos, até que ponto, em quais condições, etc… Também parece que estão prestes a rever uma disposição anterior que permitia injetar água nos presuntos, de modo que quando a dona de casa pensava estar comprando 1 quilo de presunto, estava levando, digamos, 800 gramas de presunto e 200 gramas de água. Essa autorização se baseava no argumento de que não havia engano, pois apenas seriam cobrados os 800 gramas, e que essa artimanha faria com que as pessoas estivessem mais inclinadas a comprar presunto, que, afinal, é um alimento com alto poder nutritivo…

Uma cadeia de supermercados estudou a possibilidade de incluir rosas entre seus produtos. Para isso, realizaram um estudo sobre o motivo de quem compra rosas e, após gastar alguns milhares de dólares, chegaram à conclusão de que, para o público potencialmente comprador, uma rosa é algo aristocrático, feminino, elegante e sentimental, e, portanto, não estavam inclinados a ir a um supermercado para adquiri-las. Em outras palavras, as pessoas associam o marketing moderno com tudo o que é oposto ao que é elegante, sentimental, aristocrático, feminino, tudo o que pode ser belo nessa expressão.

Ninguém menos que o famoso historiador Arnold Toynbee, em um discurso proferido há menos de 2 meses, em Williamsburg, cidade histórica norte-americana ligada à Guerra de Independência, acusou as agências de publicidade desse país – e aqueles que as sustentam – de sabotar a Revolução Americana. Ele afirmou que essa revolução tinha um objetivo espiritual, enquanto o dos negócios publicitários é puramente materialista, o que não é apenas moralmente errado, mas prejudicial para a economia. É moralmente errado porque produzir e consumir todos os bens materiais possíveis não é o propósito do ser humano. Não é economicamente conveniente porque o objetivo de um sistema econômico é satisfazer necessidades autênticas, e não necessidades artificialmente estimuladas. Ele terminou advertindo que se continuarmos nesse caminho, não apenas nossa economia falhará, mas nosso estilo de vida sucumbirá, e que a luta contra esse perigo é ainda mais importante do que contra o comunismo.

Essa reação também está começando a se articular por meio de livros. Basta folhear dois best-sellers já famosos: “Formas ocultas de publicidade” e “Os artífices do desperdício” para ver até que ponto podemos chegar, aos poucos, no uso dessas técnicas. Não concordo com tudo o que eles dizem, pois, ao lê-los com cuidado, percebe-se que em certos aspectos incorreram na incorreta metodologia de misturar fatos com deduções e suposições – como ao falar dos problemas populacionais – mas o contexto geral é suficientemente claro e justifica o sucesso que têm tido, especialmente o primeiro deles.

No segundo desses livros, o autor menciona fatos cuja autenticidade não posso negar, mas também não estou em condições de garantir – que, segundo ele, comprovam a lei de ferro do comércio moderno. A primeira etapa é produzir um artigo de boa qualidade; a segunda é “oferecer algo novo”, para o qual é preciso mudar algo sem muita importância, tais como: a cor, algum acessório, a apresentação. A terceira etapa é reduzir a qualidade, diminuindo a vida útil desse produto para que dure apenas o tempo necessário para pagar as prestações em que foi adquirido, e nada mais.

Mesmo deixando de lado a terceira etapa, da qual não tenho provas, a segunda é obviamente verdadeira. Reflitamos a respeito. Se uma fábrica tem 30 mil clientes atuais e consegue, por meio de todas as técnicas de marketing, fazer com que 10 mil deles decidam trocar por um modelo posterior, terá alcançado o que é considerado um grande sucesso comercial. Mas, o que teria acontecido se toda essa engenhosidade e dinheiro gastos em fazer com que 10 mil clientes considerassem seu artigo bom, mas obsoleto, tivessem sido empregados em buscar 10 mil clientes adicionais para o produto original, por exemplo, reduzindo os custos, e assim, tivessem 40 mil usuários? Haveria mais clientes satisfeitos e menos ressentidos.

É o que empresas progressistas como a Volkswagen fizeram, destacando que seu já clássico carro desvaloriza apenas 10% no primeiro ano, enquanto outros carros desvalorizam 20% ou 25% por terem saído rapidamente de moda. Eles acrescentam que um Volkswagen é construído para durar, pois o fabricante não tem interesse em fazer o cliente trocar de modelo, mas sim revendê-lo a um bom preço, e que se algo muda, é para melhorar os materiais ou detalhes mecânicos, não o estilo. Também não posso garantir que tudo isso seja verdade, mas é uma técnica de marketing muito eficaz precisamente por ser antagônica às outras.

Até mesmo nossos colegas, os líderes empresariais do Norte, criadores e também vítimas desses círculos viciosos, começam a perceber as consequências remotas de suas decisões comerciais. Em uma pesquisa realizada com 500 deles, 90% responderam que a publicidade atual é uma força produtiva, mas 44% afirmaram simultaneamente que, infelizmente, ela promove valores muito materialistas. 12% disseram que contribuía para o desperdício dos recursos naturais do país e outros tantos que estava contribuindo para “amaciar” o país, criando “necessidades” exageradas de conforto.

Até mesmo um romance – desses romances “com temas” que agora estão na moda, que às vezes brincam um pouco superficial e descuidadamente com coisas muito íntimas e profundas – foi escrito referindo-se a tudo isso. O autor é Aldous Huxley, e o livro chama-se “Admirável Mundo Novo”, e não concordo com a orientação geral, mas ele levanta de forma aguda os extremos a que se pode chegar quando as técnicas psicológicas são desenvolvidas sem nenhum objetivo moral. O autor imagina um mundo em que as crianças são procriadas em tubos de ensaio e algumas delas, desde crianças, são condicionadas de forma semelhante à clássica experiência de Ivan Pavlov com os cães, seja por meio de música, seja por meio de choques elétricos, para que gostem de cores, apreciem a arte, mas não possam caminhar. Chega um momento em que, já adultos, eles adquiriram bastante dinheiro e sentem a necessidade de satisfazer seus anseios por beleza, para o qual procuram passear pelo campo, mas como não sabem caminhar, precisam alugar um meio de locomoção. E é então que a clínica médica cobra uma quantia elevadíssima por esse serviço, a fim de recuperar o investimento feito ao condicioná-los durante os anos formativos.

É sem dúvida um romance exagerado e irônico, mas não há dúvida de que, embora o marketing atue sobre a macroeconomia, ele pode destruir não apenas a microeconomia, mas o objeto da economia, que é a pessoa humana.

Contribuir para o bem comum

Vimos que essas técnicas de marketing, que inicialmente atraem e deslumbram tanto, quando começamos a refletir sobre elas, percebemos que têm projeções sociais que vão muito além das superficiais, que tanto impressionam os adolescentes que vão aos Estados Unidos pela primeira vez.

Mencionei no início que essa projeção social, consciente ou inconscientemente presente em toda atividade humana, deve ter como objetivo o bem comum, ou pelo menos não deve ir contra ele. É muito legítimo que busque o bem particular do interessado, mas não deve ser prejudicial ao bem comum. Por bem comum, entendo o conjunto de condições sociais que permitem e favorecem o desenvolvimento integral da pessoa humana.

Essa precisão é importante. Por exemplo, o bem comum não deve ser confundido com prestígio. O fato de nosso obelisco ser o mais alto da América do Sul ou da Avenida 9 de Julho, em Buenos Aires, ser mais larga que a parisiense Champs-Élysées, pode ser útil para promover o turismo, mas não contribui em nada para o bem comum. O verdadeiro bem comum está relacionado ao desenvolvimento integral da pessoa.

Analisarei a influência do marketing sobre a dignidade humana, a vida familiar e a paz social, os três fatores que contribuem significativamente para o bem comum e têm repercussões diretas sobre a liberdade, um dos principais temas deste Congresso.

No primeiro aspecto, já mencionei o caso do alto executivo e um exemplo do uso do apelo sexual para fins comerciais. Citarei outro exemplo, um pouco fora do comum, mas que é um indicador de um estado de coisas que não pode deixar ninguém indiferente. Uma argentina foi a Paris no ano passado levando suas duas filhas, de 13 e 15 anos, para melhorar seu francês e visitar os museus. Como ficariam um tempo considerável, ela se hospedou em uma pensão e fez amizade com uma inglesa, também com filhas da mesma idade e que estava lá com o mesmo propósito. Ela percebeu que essa senhora, quando ia ao cinema com suas filhas, ia sempre à mesma sala, onde eram exibidos apenas filmes de origem soviética. Ela questionou a inglesa se havia percebido isso e os perigos que poderiam estar envolvidos. A inglesa respondeu que sim, que sem dúvida, embora indiretamente, esses filmes faziam propaganda comunista, mas que ela preferia esse risco – acreditando que poderia ensinar suas filhas a preveni-lo -, pois, por outro lado, todas as produções soviéticas eram moralmente saudáveis. E de fato, isso é verdade. Na semana passada, uma pesquisa foi realizada em Buenos Aires entre jovens que estão concluindo o ensino médio, e entre muitas outras perguntas, elas foram questionadas sobre o filme que consideravam o mais moral entre os que assistiram ao longo do ano, e o filme soviético “A Balada do Soldado” ganhou de maneira expressiva. Esse tipo de julgamento, o da senhora inglesa e das jovens argentinas, é a acusação mais contundente ao nosso estilo de vida, a essa indústria que procura ganhar dinheiro com nossos tempos livres, e a todos nós que, ao pagar nossos ingressos, nos tornamos cúmplices desse estado de coisas. Como é possível que os filmes mais morais – entendendo moral com letra minúscula – sejam aqueles que fazem propaganda para um regime que abertamente busca eliminar a liberdade do mundo, e que esse regime – e o público em geral o admite – se orgulha de um respeito pelas dignas capacidades procriadoras das pessoas que supera amplamente o nosso, que dizemos defender a dignidade da pessoa humana?

E, demonstração da eficácia de seu desejo de vender, o material para filmes de cinema paga menos tarifas de importação do que o material para raios X…

Tudo isso afeta, como é óbvio, a família, sua constituição e sua estabilidade, e as empresas produtoras de filmes ou outros produtos, se desejam merecer sua necessária liberdade, devem agir de forma a não enfraquecer a família, a base de toda sociedade ordenada e, portanto, da liberdade.

Valores familiares

Há alguns meses, participei de uma série de estudos sobre desenvolvimento econômico, nos quais, da maneira mais científica possível com os recursos disponíveis, analisamos os diferentes fatores que levaram vários países a alcançar um grande desenvolvimento econômico. Começamos com os Estados Unidos e o analisamos com detalhes até chegarmos a um consenso sobre os fatores que, em nossa opinião, mais contribuíram para seu progresso econômico: imigração abundante de países já desenvolvidos, abundantes riquezas naturais, climas diversos, mercado comum, liberdade, governos democráticos mais ou menos bons, entre outros. Em seguida, estudamos Israel, onde claramente faltam muitas riquezas naturais, mas em contrapartida houve grandes aportes de capital de pessoas amigas e um povo trabalhador e inteligente, entre outros fatores. Finalmente, chegamos ao Japão e percebemos que ele não contava com nenhum dos fatores que atribuímos ao desenvolvimento dos Estados Unidos. Até 15 anos atrás, não teve nenhuma imigração europeia, nem aportes de capital estrangeiro, os alimentos eram insuficientes para a população, e o governo era mais ou menos ditatorial… Ainda mais surpreendente é o fato de que o Japão é o único país onde a reforma agrária realizada após a guerra resultou em aumento de produção. O que acontece é que no Japão há muitas pessoas que trabalham seriamente, com dedicação, e isso se deve aos seus valores éticos, que são inferiores aos que nos gloriamos em possuir, mas que, ao contrário de nós, os japoneses os cumprem à risca. E o mais marcante entre eles é o respeito pelos valores familiares, onde a disciplina paterna faz com que o filho trabalhe e todos contribuam para a família, e se houver um filho mais intelectualmente dotado que os demais, todos contribuem sem hesitar para que ele possa se desenvolver, e se necessário, doutorar-se. Em outras palavras, a forte unidade familiar tem uma projeção social benéfica, até mesmo no campo econômico.

Portanto, quando o marketing enfraquece a família, seja pela incitação inadequada do apelo sexual ou pelo estímulo a compras ou endividamentos desnecessários, está contribuindo, até sem querer, mas não menos efetivamente, para enfraquecer as condições que tornam possível a livre iniciativa.

O marketing, entendido dessa forma, também afeta a paz social. As colônias costumavam ser consideradas úteis para extrair matérias-primas, e quando ouvimos a palavra “imperialismo”, pensamos naquele que buscava controlar um país para explorá-lo e abusar de suas reservas de cobre, estanho, borracha, entre outros.

Mas hoje em dia, o que se busca são áreas sem tarifas para colocar nelas os produtos manufaturados excedentes. Não é necessário nomear individualmente os vários países que, mesmo sob regimes políticos muito diferentes, praticam o dumping[5]. Conheço um produto químico que em seu país de origem é vendido a cerca de 0,29 dólares por libra, e é vendido em Buenos Aires a 0,22, o que impede o crescimento ordenado da indústria local e causa problemas econômicos, sindicais e até mesmo políticos.

Paz social

Mas nem tudo é uma questão de publicidade, preços ou apresentação. A qualidade inferior de alguns produtos industriais em nosso país – especialmente de alguns que desfrutam de grande proteção alfandegária – tem projeções em todas as esferas. Uma delas é que o argentino médio acredita que todo produto importado é melhor, mesmo que não seja, e se deseja agradar alguém, sente-se obrigado a dar-lhe algum produto importado, sem parar para pensar no que isso significa em termos de evasão de divisas ou, pior ainda, como suporte inesperado para esse câncer de nossa economia que é o contrabando.

No entanto, é justo reconhecer que há algo de verdadeiro na queixa. Acabei de comprar um carro novo e, ao abrir o cinzeiro, fiquei com o dispositivo na mão. Alguém pode se perguntar: Por que isso acontece com os carros de fabricação nacional? Será que não somos tão capazes como qualquer outro país medianamente avançado de fazer um bom cinzeiro? Ou será que houve um marketing inadequado, um gasto excessivo em propaganda e insuficiente em controle de qualidade, um vendedor que achou mais fácil dar um suborno ou um produtor que, para cumprir com as normas de 40% de produção nacional e vender rapidamente seus carros, comprou ou fabricou um cinzeiro de qualidade duvidosa?

Mas o fato é que isso afeta o prestígio legítimo de todo o país, não apenas do fabricante, e intensifica o ceticismo que os outros têm em relação ao que é nosso.

Outro aspecto do marketing que traz muitas consequências é a compensação de benefícios, ou seja, por exemplo, vender 80% dos produtos ganhando pouco, mas nos 20% restantes tentar ganhar “o máximo que o mercado permitir” e, se de fato tenho um monopólio legítimo ou não, procurar obter um acréscimo de 300% para o concorrente de origem importada, mesmo que tecnicamente não seja justificável mais do que 100% ou 40%. O que os líderes empresariais consideram como normal e dentro das “regras do jogo”, e até mesmo alguns que utilizaram esse argumento perante o Ministério da Indústria, se um de nossos funcionários fizesse isso e decidisse, por si mesmo, que como o patrão paga pouco, ele tentaria se compensar com vales por despesas não realizadas, o que diríamos? Que conceito mereceríamos? Quando isso ocorre no âmbito das atividades laborais, nos parece imoral, mas quando é no âmbito do marketing, o consideramos uma “exigência do mercado”…

Outra forma pela qual a paz social é afetada é através da tendência cada vez mais marcada de concentração. É claro que isso tem suas vantagens, a principal delas sendo menores custos de produção e distribuição. Mas em muitos casos, independentemente de se esses menores custos se traduzirem ou não em menores preços de venda, a concentração em poucas mãos reduz a liberdade dos outros. Nos Estados Unidos, 55% de todos os bens são produzidos por apenas 500 empresas. Não estou entrando aqui para analisar se isso é bom ou ruim, mas é evidente que restringe a liberdade de quem deseja entrar nesse mercado. Eu, por exemplo, não ousaria abrir uma grande fábrica de doce de leite nesse país, mas, em vez disso, tentaria me associar com alguém que já tem a rede de distribuição estabelecida e os recursos financeiros disponíveis. A venda de erva-mate lá falhou por um marketing inadequado, apesar de suas virtudes medicinais reconhecidas mundialmente.

É que o marketing mal-entendido, nesse país e em outros, incluindo o nosso, é um dos fatores que mais contribuem para tornar a vida econômica moderna cada vez mais dura, mais implacável, eu ousaria dizer mais cruel.

Outra consequência grave é que as pessoas acreditam cada vez menos nos líderes das empresas. Admitem como fato que toda publicidade contém uma dose de mentiras. “Ah”, dizem, “é só propaganda!”. Aquele homem que foi sugerido a se retirar daquela agência de publicidade porque tinha escrúpulos de escrever algo que sabia ser falso, vocês acham que se seu filho, algum dia, disser: “Papai, por favor, compre-me tal produto que vi elogiado na TV”, ele não vai responder que não seja bobo, que não acredite em tudo que está escrito na imprensa ou em tudo o que diz um locutor?

E o trabalhador ou o técnico que atua no controle de qualidade e sabe que a rigorosidade do controle muda conforme o mercado, se há muita ou pouca demanda, acreditará no mesmo líder empresarial se ele prometer um aumento salarial para daqui a 30 dias? Não, porque o homem é uno e indivisível, é um só perante seus subordinados, colegas, superiores, fornecedores ou clientes.

Técnicas utilizadas

E concluo, fazendo referência às técnicas de marketing utilizadas por muitos desses defensores da liberdade que costumam ser os produtores e distribuidores de filmes de cinema. Ninguém usa com mais frequência a palavra “colossal”. Não se aplica apenas aos filmes, mas também ao tamanho da tela, à quantidade de “extras”, ao montante investido em sua filmagem. Mas o que é realmente colossal, ou melhor, brutal, é o marketing que empregam. Não estou me referindo a ninguém em particular, e não quero me erguer como fariseu e dizer que “preferiria morrer antes de agir dessa ou daquela maneira”, porque a realidade é complexa e, repito, cada caso requer uma análise particular. Mas a realidade atual é que, na prática, os distribuidores praticamente obrigam aqueles que exibem os filmes a mostrar os bons e os maus, os morais e os imorais, ou seja, estão restringindo a liberdade das pessoas, e nada menos do que em questões que afetam a consciência! Usam a liberdade, envolvem a liberdade com tudo o que ela tem de mais nobre para restringir a liberdade.

Os responsáveis pelo marketing

O que pode levar o mundo à barbárie não é apenas a bomba atômica, mas a mentira. Aquela pode torná-lo inabitável em questão de minutos, mas a mentira, de forma mais sutil, pode e de fato já está agindo para disseminar a descrença, destruir e minar os valores autênticos de nossa estimada civilização ocidental.

O estudo da motivação e as técnicas para condicioná-la são indiscutivelmente úteis para promover vendas, mas tenhamos cuidado, pois a distância entre a motivação e a manipulação é muito curta e a tentação é grande. O Presidente do CIOS (Comité International de L’Organization Scientifique), a quem tive a honra de acompanhar há 6 meses, precisamente por sugestão do IADE (Instituto Argentino de Direção de Empresa), falou-me várias vezes sobre isso e sobre os perigos que representa para nossa civilização.

O Marketing, cujo grande mérito consiste em tornar acessível a quantidades cada vez maiores de pessoas muitas coisas boas da terra, pode levar não apenas a um desperdício de recursos, mas também a uma “manipulação” na hierarquia de valores, o que, mesmo sem chegar a ser uma “lavagem cerebral” dos comunistas, é algo extremamente sério, pois não se pode brincar impunemente com os pontos de referência que marcam, que caracterizam a vida de uma pessoa ou de uma comunidade humana inteira.

Todos temos uma hierarquia de valores. Podemos ou não cumpri-la, mas a temos, seja ela boa, má ou apenas distorcida em certos aspectos. Nós, que lidamos com dinheiro, que lidamos com publicidade, que damos instruções sobre Marketing, não podemos simplesmente dar de ombros e dizer: “Damos ao público o que o público quer”.

Não só porque os consumidores são mais inteligentes do que pensamos e, mesmo que com um atraso de 5, 8 ou 10 anos, eles vão reagir, e às vezes de formas que podem ter projeções sociais e políticas, mas também porque não podemos usar, ou permitir que seja usado com o nosso dinheiro, a linguagem para um fim diferente da verdade. Não é possível dizer que uma bateria vai durar tantas horas quando eu sei que, em uso normal, ela só dura a metade. As agências de publicidade culpam os anunciantes, dizendo que só estão seguindo instruções, e estes dizem: “Eu contrato uma agência de acordo com um orçamento anual e deixo os técnicos decidirem”. Assim como somos responsáveis pelo bom uso do dinheiro confiado ao nosso critério, também somos responsáveis pela linguagem paga com esses pesos (moeda argentina).

Mas além disso, esse comportamento é uma forma de evitar responsabilidades que não é digna de um líder empresarial merecedor de tão honroso nome. É necessário utilizar o que é bom dessas técnicas, mas eliminando o que é ruim, o que atenta contra o homem, a família que o forma e a vida social que permite o seu desenvolvimento. A publicidade deve permitir ao consumidor fazer uma escolha livre e racional. Insisto nisso. Quando as técnicas condicionam tanto o possível consumidor que não há uma escolha livre e racional, não há uma escolha verdadeiramente humana, e a técnica então não está, conforme deveria, a serviço do homem.

Os responsáveis pelo marketing, nós, os líderes empresariais, devemos nos esforçar para fazer circular os bens da terra, destinados pelo seu Criador para o benefício e autêntico progresso de todos, sem exceção alguma, mas cuidando simultaneamente de prestar um verdadeiro serviço a um cliente verdadeiro, ou seja, um cliente que possui uma real capacidade de compra e necessidades autênticas a serem satisfeitas.

Peço a Deus que assim seja, e que todos nós saibamos refletir sobre a projeção social do marketing e tenhamos a força de caráter para agir de modo que ele não prejudique, mas, ao contrário, favoreça o desenvolvimento integral da personalidade, a alegria na vida familiar e a paz social que nosso país tanto precisa. Dessa forma, colaboraremos para que a empresa privada preserve a sociedade livre.


[1] Follow-up significa “seguir”, vigiar, não descuidar de um trabalho até que esteja terminado.

[2] Referência à “sombra” produzida pela barba ao final do dia.

[3] Investigação dos motivos que levam à ação, neste caso à compra.

[4] Comércio de objetos com descontos.

[5] Dumping, de uma forma geral, é a comercialização de produtos a preços abaixo do custo de produção, basicamente para eliminar a concorrência e conquistar uma fatia maior de mercado.

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